A mágica do rádio
A mágica do rádio
Luis Fernando Veríssimo
Não posso dizer que me decepcionei na primeira vez que vi um jogo de futebol no campo. Naquele tempo – pelo menos em Porto Alegre –, ainda não havia arame ou fosso protegendo o campo da torcida, podia-se ver o jogo debruçado sobre uma cerca baixa de madeira, na beira do gramado, só se arriscando a levar uma bolada ou ser atropelado por um jogador sem freios. Sentiase o cheiro da grama, ouvia-se o xingamento entre os adversários – era outro universo. Mas estranhei a ausência do locutor.
Descobri que futebol apenas visto (não, crianças, existia nem radinho de pilha para se levar ao jogo) era muito diferente de futebol “irradiado”.
Os locutores de rádio nos acostumavam com uma narrativa dramática, mesmo que nada de muito emocionante estivesse acontecendo em campo. Pelo rádio, os ataques do nosso time eram sempre cargas épicas contra a defesa inimiga, e os gols do nosso time não eram apenas bolas na rede, eram bolas na rede acompanhadas por um grito triunfal, que repetíamos – “Goooooooool!!!” – com entusiasmo feroz. No campo, naquela primeira vez, senti falta do drama ininterrupto que o locutor fornecia.
O futebol ao vivo, paradoxalmente, era mais incompleto do que o futebol narrado.
A mágica do rádio era esse outro universo, feito só com vozes. O rádio não era som sem imagem, uma realidade pela metade. Era som criando imagens, uma realidade diferente. Isso não valia apenas para o futebol. O “rádioteatro” era mais realista do que qualquer novela da TV, porque quem fornecia a cenografia, a paisagem e o ambiente era o próprio ouvinte, na sua cabeça – e com recursos ilimitados. O próprio noticiário de rádio tinha uma autoridade que a TV nunca conseguiu reproduzir, talvez porque uma voz firme concentrasse mais a atenção do que a visão de um locutor emitindo-a, e ainda por cima maquiado.
Claro que não deixei de ir ao campo para ficar em casa ouvindo a narração, imaginando jogos sensacionais em vez de vendo jogos nem sempre tão animados.
Mas só com o advento do rádio transistor, que tornou possível estarmos em dois universos simultaneamente – o do jogo contado e o do jogo presenciado –, é que senti que minha experiência do futebol estava completa. Eu tinha o futebol de fato e o futebol das vozes.
O mágico.
Mas isso foi há muito tempo.
Hoje, sou um torcedor relapso, reduzido a reminiscências nostálgicas. E pay-per-view.
*Publicada, entre outros, no A Tarde de ontem.
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