Vitor Hugo Soares
Meu personagem da semana é o pugilista Acelino Popó de Freitas, em suas primeiras gingas no tablado sempre traiçoeiro da política baiana, ao tomar posse no cargo de secretário de Esporte e Lazer da Prefeitura do Salvador, depois de gloriosa carreira nos ringues. Em menos de uma década, esse filho famoso e louvado da Bahia conquistou quatro cinturões de ouro e sofreu apenas um nocaute em menos de uma década de profissionalismo.
Confesso: vacilei na escolha do personagem, diante da forte concorrência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na última quinta-feira, ele se apresentou no palco do Teatro Castro Alves e foi um show.
Procedente de Recife, a caminho do Rio para a abertura do Pan, a performance de Lula no TCA, local tão simbólico da vida e da arte na capital baiana, é dessas que deixam marcas profundas, para o bem ou para o mal.
O presidente passou como um meteoro, mas foi uma dessas visitas sempre desejadas, principalmente em tempo de complicadas relações da política e do poder: a que demora pouco e rende muito.
Trouxe um avião carregado de recursos, a ponto de surpreender até mesmo o governador Jaques Wagner, que confessou: não esperava tanta verba para o chamado PAC do Saneamento e da Habitação no Estado: R$ 1,362 bilhão. Mas o presidente, além da dinheirama, trouxe carradas de afagos e conselhos ao “companheiro governador do governo de esquerda da Bahia”, que tem andado amargurado e macambúzio ultimamente com as doses seguidas de vinagre que tem sido obrigado a beber, servidas por antigos e bravos aliados das corporações – professores e camaradas do PC do B à frente – em lutas passadas. Até vaias aprontaram para o ex-sindicalista no recente desfile do 2 de Julho, nas ruas de Salvador, além de muitas cascas de banana deixadas no caminho da administração petista. No palco, Lula pediu ao seu ex-ministro do Trabalho para não se deixar estressar e deu a receita que ele considera segura contra aporrinhação: não ler jornal antes do café. Isso me levou à escolha de Popó.
Lembranças: era início da tarde de 7 de agosto de 1999 e eu andava pelo Terreiro de Jesus, quando, no ringue armado em Cannes, o pugilista baiano encaixou aquele murro histórico que fez desabar no tablado como um saco de cebolas o temido adversário russo Anatoly Alexandrov. Percebi imediatamente que algo extraordinário acabara de acontecer pelo tamanho descomunal do urro e da vibração no Centro Histórico, que logo tomaram a cidade.
Desligado do boxe, segui andando ao lado do fantástico e saudoso chargista Lage, mais outros colegas de jornalismo e de copo, à procura de um restaurante para almoçar.
Dentro do restaurante, na Praça da Sé, vi gente em transe a cada nova reprodução das imagens do nocaute na delirante transmissão de Galvão Bueno, pela TV.
“É Popó!”, gritava o locutor. Entrei na onda também.
Oito anos podem ser nada ou representar tempo demais, principalmente se estamos falando de estrelas do esporte praticado por Popó. Esta semana, vi o carismático bicampeão de pesos leves em cima de outro tablado: o político. Ele assumia secretaria que, em pouco mais de dois anos da claudicante administração do prefeito João Henrique – eleito pelo PDT de Brizola, mas já nos braços do PMDB do ministro Geddel –, nocauteou três ocupantes.
A secretaria de Popó é paupérrima. Em volume de recursos orçamentários, equiparase aos disponíveis pela mendicante Secretaria da Reparação Social. O prefeito discursa na posse, mas não se vêem mais em volta do pugilista as celebridades de antes – artistas, belas modelos e atrizes, famosos do esporte e da TV. O que se vê é cinzenta fauna de políticos e burocratas municipais, que sorriem enquanto disputam espaço na foto ao lado do ex-campeão.
João Henrique confessa não ter projeto definido para a pasta de Popó, mas promete traçar estratégias pessoalmente com o novo membro de sua equipe. Mais confiante, o campeão Popó diz acreditar que “arregaçando as mangas” e com algumas doações de bolas de futebol ou luvas de boxe por “empresários mais conscientes”, será possível fazer muito pelos jovens carentes de Salvador. Já se vê que não se trata de um jogo de profissionais, como o promovido pelo presidente Lula e sua comitiva no Teatro Castro Alves.
Mas, na política – como no teatro –, de ilusão também se vive.
Matéria publicada na edição de sábado (14/07/2007) do A Tarde.